Cultura no Ceará: “Na Era da Farinha pouca, meu Pirão primeiro!”
Cultura no Ceará: “Na Era da Farinha pouca, meu Pirão primeiro!”
(Amaudson Ximenes- presidente do Sindicato dos Músicos do Ceará)
Como presidente do Sindicato dos Músicos do Ceará e integrante do Movimento Música do Ceará – Nossa Música Pode Mais, participei nesta quarta-feira, 12/4, de uma reunião convocada pela Organização Social (OS) Instituto Dragão do Mar (IDM), no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), no contexto do marco dos 25 anos do IDM. A pauta principal: a apresentação das ações desenvolvidas pelo IDM nos últimos três anos, período de gestão da Diretoria atual. Vale destacar que o IDM é a OS paga pelo Governo do Estado para realizar a gestão de diversos equipamentos: além do Dragão, do Theatro José de Alencar e do Cineteatro São Luiz, na cultural, até espaços como o Centro e Formação Olímpica (CFO) e o Polo Gastronômico da Sabiaguaba!
Além da direção da entidade, estiveram presentes diversos agentes culturais da sociedade civil e integrantes do Conselho Estadual de Política Cultural. A apresentação se deu através de data-show e compartilhamento de uma publicação física muito bem acabada, adornada com textos, números, gráficos, fotos e tabelas. Um dos pontos destacados foi a resolução dos pagamentos dos cachês artísticos em atraso, que, pasmem, costumavam demorar até um ano para ser pagos. Uma prática comum em gestões anteriores da OS, já com o mesmo grupo político atual à frente do Governo do Estado.
A digitalização de documentos, contratos, mapas de palco, riders foi outro avanço mencionado na apresentação. O trabalho em rede dos equipamentos regidos pela Organização Social em destaque também fez parte da explanação.
Em seguida o encontro foi aberto para a fala de representantes da sociedade civil. Questões importantes ligadas à segurança no trabalho, como a ausência de luvas, capacetes, EPIs, para os técnicos, e de escadas nos equipamentos culturais regidos pela OS foram colocadas. O respeito às pessoas trans e à comunidade LGBTQIA+, com a inclusão desse público nos quadros de gestão e de servidores/as/ nos equipamentos, também foi destacado.
A questão dos critérios de seleção de pessoas para ocuparem cargos de Direção nos Equipamentos e na própria OS também foi mencionada. Os critérios para a contratação de serviços gerais, vigilância, recepção foram expostos com clareza, mas os primeiros permanecem “embaciados” (embora saibamos que ocorrem por indicação política, por impulso afetivo, por consanguinidade e outras práticas pouco republicanas). A seleção por chamada pública só vale para certas funções?
Comentou-se também sobre os papéis da OS e da Secult Ceará na definição e na execução das Políticas Públicas no Ceará e nos seus equipamentos culturais. Uma questão que permanece extremamente confusa. Na fala da gestora da OS, sua responsabilidade é pela gestão de recursos e pelo acompanhamento das atividades nos equipamentos. A Secult Ceará é responsável por pensar junto com a sociedade civil quais políticas serão desenvolvidas ao longo de cada gestão. Segue difícil, na prática, delimitar esses papéis. E ainda mais difícil que eles sejam realizados pra valer, demonstrados na prática.
É preciso lembrar sempre que, seja por OS, seja por administração direta, falamos de equipamentos, equipes, instalações, ações, custeios, insumos, projetos financiados pelo Governo do Estado. Por dinheiro público. Infelizmente, por vezes se mantêm práticas negativas típicas de iniciativa privada, em detrimento do que deveria ser o atendimento a deveres da esfera pública, da política cultural.
Sem hábito e sem cultura de escutar pra valer a população à qual se destina, o IDM segue sem um calendário de diálogo regular e transparente, sem uma mesa permanente de debates e ajustes, sem a participação social e a ampliação das políticas culturais para os/as que delas mais precisam, inclusive por busca ativa. Falamos, aqui, de ir muito além do Conselho Estadual de Política Cultural, e do alcance limitado de suas reuniões mensais, com pouco tempo para inúmeros temas. Falamos de um olhar para fora das paredes do IDM e dos equipamentos culturais. Diariamente vemos nas redes sociais depoimentos de artistas, produtores/as, técnicos/as, trabalhadores/as da cultura em geral publicizando desespero, desalento, aflição diante da realidade extremamente difícil enfrentada pelo setor. O que as OSs e os equipamentos pensam dessa realidade? Como veem sua missão e sua responsabilidade? Em que podem contribuir para transformá-la?
A valorização dos cachês foi outro ponto abordado. Se agora são pagos dentro dos prazos estabelecidos, precisam ser atualizados e padronizados junto aos equipamentos estatais. Antes da pandemia, tinham um valor, agora o valor caiu pela metade ou menos do que isso. Além da grande dificuldade para participar da programação, com muito menos vagas do que a demanda, há uma contenção visível, uma forte perda de poder de compra dos cachês. Isso implica a precarização do fazer artístico, gerando prejuízo não só para os/as trabalhadores/as mas para o público. Fora as dificuldades como Dragão e TJA, para ficar em dois exemplos, não terem equipamentos próprios, tornando extremamente difícil que produtores/as possam ali realizar eventos para além da programação própria das casas, para a qual também faltam recursos. Gostaria muito de entender como foi feito o cálculo para chegar aos valores atuais. Respeitosamente chegamos a indagar aos gestores: e se por acaso acontecesse o mesmo com o salário deles, o que fariam?
Mas o ponto que mais me chamou atenção foi o nível de ansiedade dos participantes. Tanto os colegas da gestão quanto da sociedade civil não conseguiam respeitar a ordem, os tempos de fala e a sequência das inscrições. Chegando a se colocar duas ou três em cada bloco, atropelando a intervenção dos outros colegas. Enquanto uma pessoa fez cinco, seis, sete intervenções, outra fez uma ou nenhuma, tendo seu tempo de fala limitado, sua voz cassada, na prática, mesmo estando ali com a missão de representar temas amplos e complexos, de cada linguagem artística ou segmento.
A reunião se assemelhava a um imenso divã coletivo. Todo mundo querendo se colocar e “desabafar” com o seu problema sendo sempre o mais “importante”, embora saibamos que nos tempos pós-pandemia as problemáticas do campo cultural se agravaram. É lamentável constatar mais uma vez que vivemos, na política cultural, ainda na era da “Farinha pouca, meu Pirão primeiro!”.
Precisamos de medidas concretas para mudar essa realidade. Vale lembrar que quanto a outra OS, o Instituto Mirante, a situação não é diferente. Desde junho de 2022, quando cobraram em reunião no Cineteatro São Luiz o motivo de não terem sido ouvidas até ali, as linguagens artísticas esperam pela promessa de serem chamadas para dialogar com a direção da OS, encarregada de administrar a Estação das Artes e seus vários equipamentos, o MIS-CE e o Centro Cultural do Cariri. Não houve essa mediação nem antes de inaugurados os equipamentos, nem durante seu primeiro ano de atividades, recém-completo. Adotar uma mesa permanente de diálogo, com reuniões mensais, com escuta de verdade e encaminhamentos concretos sendo acompanhados em relatório, é urgente. E é apenas o começo do trabalho necessário para mudar essa realidade.
Amaudson Ximenes Veras Mendonça é sociólogo, diretor-presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado do Ceará, integrante do Conselho Estadual de Política Cultural – Linguagem: Música
One Response to Cultura no Ceará: “Na Era da Farinha pouca, meu Pirão primeiro!”