Discurso do diretor Heriberto Porto na Assembléia legislativa do Ceará

O Dia da Música e do Músico, celebrado anualmente em 22 de novembro, foi comemorado no 05/12/2017, em sessão solene no Plenário 13 de Maio da Assembleia Legislativa. O evento atendeu a requerimento do deputado Yuri Guerra (PMN).

https://www.al.ce.gov.br/index.php/ultimas-noticias/item/70845-0512bdsolene-dia-do-musico

Representando o Sindimuce o diretor e professor Heriberto Cavalcante Porto Filho afirmou que a cultura tem potencial para mudar a realidade socioeconômica do País e criticou a falta de investimentos na área. “Nós temos um triste recorde: Fortaleza é a única cidade do mundo que não tem, em nenhuma escola pública, nenhuma orquestra sinfônica. E, por isso, é também uma das cidades com um dos maiores índices de violência do mundo. Uma coisa está ligada à outra”, alertou.

 

 

 

 

Vejam na íntegra seu discurso:

 

“Senhoras e senhores

Prezados deputados e nobres colegas de profissão

Boa noite

Em 1995 voltei a morar no Ceará depois de 12 anos de estudos musicais em Bruxelas na Bélgica. Na época algumas pessoas achavam que eu estava ficando louco, deixar o chamado primeiro mundo para vir para fortaleza onde as oportunidades pareciam bem menores. Quero dizer que passados 22 anos daquele momento eu não me arrependo nem um pouco. Voltei por que achava que poderia trabalhar no meu país, perto da minha família, como um cidadão com todos os direitos e principalmente repassar todos os conhecimentos adquiridos e vividos na Europa.

Naquele momento se observava uma vontade de crescimento da cultura no Ceará: o Instituto de Artes Dragão do Mar, escolas de cinema, a reforma do TJA, a criação da orquestra Eleazar de Carvalho, a lei Jereissati de incentivo à cultura, o crescimento do Curso de Música da UECE foram alguns dos fatores que me motivaram e me mantiveram aqui.

Sempre acreditei no grande potencial da cultura em mudar realidades difíceis tanto do ponto de vista social quanto econômico. Este ano o Ministério da Cultura lançou o atlas econômico da cultura e neste documento demonstra que a cultura é responsável por 4% do PIB do Brasil desde 2010.

Me custa a entender por que o investimento em cultura é tão baixo. Se luta há muito tempo para um orçamento de pelo menos 1,5% do orçamento do estado, para a cultura, é muito pouco ainda.

Porém foi este o valor aprovado em 2016 nesta Assembléia Legislativa dentro do plano estadual de cultura.

Estou convencido que para cada 1 real investido em cultura se economiza 1000 reais em segurança e saúde.

Recentemente o mundo ficou sabendo que Katrín Jakobsdóttir, do partido esquerda verde, é a mais nova chefe de estado da Islândia, um dos países com um dos mais altos IDH do mundo. Sua popularidade se deu quando ela foi ministra da educação e cultura, logo após a crise econômica mundial de 2008. Katrín foi uma das principais responsáveis pela recuperação da economia do país quando apostou na geração de renda através da arte, educação e cultura, em detrimento dos tradicionais métodos impostos pelo mercado financeiro.

Para se ter uma ideia, a cultura passou a ser a principal fonte de renda dos islandeses e, atualmente, 80% dos jovens do país tocam algum tipo de instrumento musical.

Apesar dos nossos avanços nesta área ainda temos muito o que fazer para a cultura do nosso estado e do nosso país.

Para ficarmos somente na área cultural quero aqui lamentar a histórica falta de visão dos poderes públicos que insistem em não investir em uma escola de música pública e nem numa orquestra sinfônica.

Estes projetos já deveriam estar nos planos de cultura, e se já estão devem ser executados. O diretor-presidente do SINDIMUCE, Amaudson Ximenes vem batendo nessa tecla nos conselhos estadual e municipal de cultura.

A desculpa de que é um investimento caro não convence pois o que se gasta em apenas um réveillon daria para manter uma orquestra ou uma escola pública por um ano.

Este “atraso” é mais evidente quando se olha para cidades como João pessoa e Natal.

Em João Pessoa existem 4 orquestras permanentes: Orquestra Sinfônica da Paraíba, Orquestra Municipal de João Pessoa, Orquestra Sinfônica Jovem e Orquestra Sinfônica da UFPB.

Em Fortaleza tínhamos uma orquestra de cordas profissional, a ORCEC, nossa orquestra de câmara Eleazar de Carvalho, que desde 2013 passa por dificuldades e agora só se apresenta esporadicamente. Muitos de seus músicos estão agora em Natal ou João Pessoa hoje.  Existe uma Orquestra Filarmônica do Ceará, que é um projeto independente e se limita a ser uma “orquestra de cachês”.

Os projetos de orquestra da UECE e da UFC são projetos de extensão e sem dúvida frutos do trabalho árduo de professores, alunos, pró-reitores e reitores que primam por um ensino musical de qualidade e por uma extensão ampla. Mas ainda assim, constituem núcleos de formação profissional. Não são equipamentos profissionais. Nossos jovens não podem sonhar em um dia chegar a tocar na Orquestra Sinfônica de sua terra pois ela não existe.

Uma vez formados, os músicos cearenses correm para outros centros em busca de mais formação e trabalho, como é o caso das capitais citadas Natal e João pessoa, mas também encontramos excelentes músicos do Ceará em orquestras e bandas de São Paulo, Goiânia, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.

O renomado compositor cearense Liduíno Pitombeira, nascido em Russas e premiado em vários países deu sua opinião em uma rede social: “Fortaleza é a única cidade do ocidente com mais de três milhões de habitantes que não tem uma orquestra sinfônica com qualidade/quantidade suficiente para tocar a 1ª sinfonia de Mahler”.

Ele propõe a criação de uma comissão de diálogo permanente entre SECULT- UECE-UFC para se ter um diagnóstico e remédio a esta triste colocação.

Outro detalhe é a diferença entre projeto social, ou de formação, e um corpo profissional. É importante que o poder público saiba das especificidades destes dois tipos de investimento. Por outro lado a falta de escolas públicas de música contribui para o empobrecimento da cultura musical. De fato, orquestra e escolas são indissociáveis, uma alimenta a outra. De um corpo docente de uma escola surgem os efetivos das orquestras. É assim no mundo todo.

O projeto de uma orquestra no Ceará passaria necessariamente pelo projeto de uma escola de música onde os professores atuariam como músicos da orquestra.

Nos últimos anos o que se viu em Fortaleza foi a extinção de muitos projetos de ensino musical. Alguns reconhecidos nacionalmente como o Núcleo de Cordas do Sesi que foi extinto porque não gerava lucro. A Orquestra Pão de Açúcar também fechou depois que o grupo francês comprou a rede de supermercados.

Essa é uma visão muito limitada pois o “lucro” da arte não é medido de maneira tão simplista. Sobral é uma cidade que tem uma escola municipal de música com mais de mil alunos. Mossoró também tem uma escola municipal. Fortaleza com o PIB bem maior não tem. No momento nossas escolas públicas são somente os cursos do IFCE e as graduações e projetos de extensão na UECE e UFC.  Projetos de sucesso tentam suprir essa lacuna, como é o caso da “Casa de Vovó Dedé”, Banda do Piamarta e outros projetos desenvolvidos pelo terceiro setor.

O tradicional Conservatório de Música Alberto Nepomuceno funciona nos moldes de uma escola particular. A maioria dos projetos depende de editais e por isso, vez por outra param suas atividades.

Outra “particularidade” ou “recorde ao contrário” é o fato da cidade não possuir um projeto de banda municipal de música. Já teve mas não tem mais.

Em quase todas as cidades do interior temos bandas de música com músicos contratados pelas prefeituras mas a cidade de fortaleza tem esta triste realidade.

As bandas de música são muitas vezes ligadas às secretarias de educação e possuem projetos de formação musical, funcionam também como escolas. Que este momento atual seja de reflexão e diálogo com a classe musical para a melhoria deste quadro.

Que a Vila das Artes também possa contemplar um curso de música – é um anseio do Sindimuce e da classe musical.

Que a Secretaria  de Cultura do Município de Fortaleza e a Secretaria Estadual de Cultura, juntos com a Assembleia Legislativa e as Câmaras Municipais sejam sensíveis a esta realidade e trabalhem juntos para modificá-la.

É nossa esperança.

Grato pela atenção”

Heriberto Porto

Membro da diretoria do Sindimuce

Professor assistente da Universidade Estadual Do Ceará.