Sem Orquestra e sem Escola de Música

O Sindicato dos Músicos do Ceará vem a público repudiar e lamentar a histórica  falta de visão dos poderes públicos de Fortaleza que insistem em não investir em uma escola de música pública e nem numa orquestra sinfônica. Estes projetos já deveriam estar nos Planos de Cultura, e se já estão devem ser executados. A desculpa de que é um investimento caro não convence pois o que se gasta em apenas um réveillon daria para manter uma orquestra ou uma escola pública por um ano. Este “atraso” é mais evidente quando se olha para cidades como João Pessoa e Natal. Em João Pessoa exitem 4 orquestras permanentes: Orquestra Sinfônica da Paraíba, Orquestra Municipal de João Pessoa, Orquestra Sinfônica Jovem e Orquestra Sinfônica da UFPB. Em Fortaleza tínhamos uma orquestra de cordas profissional, a ORCEC, Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho, que desde 2013 passa por dificuldades e agora só toca esporadicamente. Existe a Orquestra Filarmônica do Ceará, que é um projeto esporádico e se limita a ser uma “orquestra de cachês”. Os projetos da UECE e da UFC são frutos de trabalhos árduos de professores, alunos, pró-reitores  e reitores que não se conformam com nenhuma orquestra profissional na cidade e são núcleos de formação profissional. Uma vez formados os músicos cearenses correm para outros centros em busca de mais formação e trabalho, como é o caso das capitais citadas Natal e João Pessoa, mas encontramos excelentes músicos do Ceará em orquestras e bandas de São Paulo, Goiânia, Brasilia, Curitiba, Porto Alegre e em diversos países da Europa e Estados Unidos.

O Compositor cearense Liduíno Pitombeira, nascido em Russas e premiado em vários países deu sua opinião em uma rede social: “Fortaleza é a única cidade do ocidente com mais de três milhões de habitantes que não tem uma orquestra sinfônica com qualidade/quantidade suficiente para tocar a 1ª de Mahler. Causas: [1] O governo e suas competentes assessorias acham que a música erudita tem que ser autossustentável e que, portanto, seria paternalismo pagar um salário de 10 mil reais para um violinista ensaiar só um turno e ficar praticando em casa; [2] As cinco famílias mais ricas do Ceará não têm o menor interesse em levar um projeto desses adiante, retribuindo à população os seus altos lucros obtidos em forma de cultura; [3] Os centros musicais do estado (conservatório, UFC, UECE, SESI etc) não dialogam entre si e, como consequência, não têm um plano conjunto para resolver essa triste situação junto ao governo ou junto às empresas privadas; [4] TODOS acham que uma orquestra tem que começar com baixa qualidade e aos poucos ir melhorando; [5] TODOS acham que se essas orquestras que começam com baixa qualidade disfarçarem Luiz Gonzaga de violino vão finalmente convencer toda a população que música erudita vale a pena. Se esses cinco pontos não forem atacados, ESQUEÇA.” Liduino Pitombeira( professor de composição da UFRJ)

Lindemberg Silva é clarinetista, nasceu no Ceará e foi brilhar no Estado de São Paulo. Ele desabafa:”O patrocínio de projetos musicais de inclusão social são diferentes de projetos de aprimoramento técnico-musical. Mesmo que tenhamos indivíduos saídos de projetos sociais tornando-se músicos profissionais num futuro próximo, os patrocinadores, quer seja o Estado quer seja o financiamento privado, não diferenciam a importância e a especificidade que que cada um tem.
Quantos músicos, maestros e compositores ainda tem de sair dessa terra(fértil?) para dar continuidade à sua vida artística e contribuir para o enriquecimento cultural de sociedades lontanas às suas?”

Sobre o papel de uma orquestra e seu financiamento, Augusto Maurer, músico da OSPA e editor no site www.impromptu.sul.21.com.br publicou recentemente: “Orquestras não pertencem, como muitos devem acreditar, à indústria do entretenimento e, portanto, não podem depender de arrecadações de bilheteria. São, sim, sofisticadíssimos equipamentos educativo-culturais, cuja função é ampliar horizontes estéticos. Se tiverem, no entanto, que depender do gosto do público e da mesmice que o mesmo estaria disposto a pagar para ouvir (para isto existem as mídias comerciais), já não servem mais para nada… orquestras não podem nem devem ser populares nem tampouco (portanto) gerar lucros… por sua pouca afinidade natural ao lucro, orquestras devem ter sua existência, garantida pelo estado. Caso contrário, têm suas atividades corrompidas (como pode ser visto em casos próximos e distantes) ao serem utilizadas, em muitas ocasiões, muito aquém de todo seu potencial artístico.”

Por outro lado a falta de escolas públicas de música contribui para o empobrecimento da cultura musical. De fato Orquestra e Escolas são indissociáveis, uma alimenta a outra. De um corpo docente de uma escola surgem os efetivos das orquestras. É assim no mundo todo.  O  projeto de uma orquestra no Ceará passaria necessariamente pelo projeto de uma escola de música onde os professores atuariam como músicos da orquestra.

Nos últimos anos o que se viu em Fortaleza foi a extinção de projetos de ensino musical. Alguns reconhecidos nacionalmente como o Núcleo de Cordas do Sesi que foi extinto porque não gerava lucro. A Orquestra Pão de Açúcar também fechou depois que o grupo francês comprou a rede de supermercados. Essa é uma visão muito limitada pois o “lucro” da arte não é medido de maneira tão simplista. Um real investido em cultura são 100 reais economizados em segurança por exemplo. Sobral é uma cidade que tem uma escola municipal de música com mais de mil alunos. Mossoró também tem uma escola municipal. Fortaleza com o PIB bem maior não tem. No momento nossas escolas públicas são os cursos são somente as do IFCE e as graduações e projetos de extensão na UECE e UFC.  Projetos de sucesso tentam suprir essa lacuna, como é o caso da “Casa de Vovó Dedé”, Banda do Piamarta e outros projetos desenvolvidos pelo terceiro setor.  O tradicional Conservatório de Música Alberto Nepomuceno funciona nos moldes de uma escola particular. A maioria dos projetos depende de editais e por isso, volta e outra param suas atividades.

Outra “particularidade” ou “recorde ao contrário” é o fato da cidade não possuir um projeto de banda municipal de música. Já teve mas não tem mais. Em quase todas as cidades do interior temos bandas de música com músicos contratados pelas prefeituras mas a cidade de Fortaleza tem esta triste realidade. As bandas são muitas vezes ligadas às secretarias de educação e possuem projetos de formação musical, funcionam também como escolas.

Que este momento atual seja de reflexão e diálogo com a classe musical para a melhoria deste quadro. Que a Vila das Artes também possa contemplar um curso de música é um anseio do SINDIMUCE  e da classe musical. Que o novo Secretário de Cultura da cidade de Fortaleza e a Secretaria Estadual de Cultura sejam sensíveis a esta triste realidade é a nossa esperança.

Fortaleza, 04/02/2017

A diretoria do SINDIMUCE

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